Porque é que os edifícios não devem ser feitos de vidro
00:00 - 00:00
(0)
Opiniões (0)
Resumo
A ideia de viver num condomínio moderno, envidraçado de alto a baixo, com vista privilegiada para o pôr do sol, parece saída de um catálogo imobiliário de luxo. Mas e se, em vez de um oásis urbano, estivermos a construir uma estufa? Literalmente.
Foi o que aconteceu num condomínio de luxo em São Francisco, nos EUA, um edifício tão animado com vidro que se esqueceu de um detalhe: sombra. Resultado? Um forno solar com apartamentos a chegar aos 32 °C mesmo em dias amenos. Sim, porque o calor ali não pedia licença, entrava com toda a confiança e decidia não sair.
O problema acabou em tribunal. A associação de condomínio processou a construtora, com sucesso. A parede de vidro – bonita, moderna e absolutamente inútil para manter a temperatura suportável – não tinha ventilação adequada. A defesa ainda tentou argumentar que o código de construção apenas exige um mínimo de temperatura interior (uns módicos 20 °C), mas nunca menciona um máximo. Ora, se a lei não diz nada sobre a casa parecer uma sauna, então está tudo bem? Claro que não.
A equipa jurídica encarregue do caso foi mais criativa. Em vez de focar na letra da lei, apontou para o espírito dela: demonstrou que o excesso de calor tornava as frações inabitáveis, causando prejuízo real aos moradores. Resultado: 10 milhões de dólares em indemnizações e uma lição para os promotores — ignorar o conforto térmico pode sair caro.
Mas esta história levanta questões sérias sobre como continuamos a construir edifícios. Numa altura em que as temperaturas globais sobem e o ar condicionado parece ser a resposta mágica para tudo, convém lembrar que há alternativas menos gastadoras, mais eficientes e, surpresa, nem sequer são novas.
Durante décadas, antes do boom do ar condicionado, era comum instalar sombreamento exterior: brise-soleils, palas, toldos, elementos arquitetónicos pensados para proteger do sol. Le Corbusier já usava isto nos anos 30. Não por capricho estético, mas por necessidade funcional.
Hoje, arquitetos como William McDonough recuperam estas soluções. Em Bogotá, por exemplo, onde o clima é semelhante ao de São Francisco, o edifício da Universidad EAN recorre a brise-soleils modernos que permitem ventilação natural e reduzem significativamente o calor no interior. Até em Nova Iorque, onde o ar condicionado reina, já se veem arquitetos a desenhar cortinas exteriores fixas para poupar energia.
Por que razão continuamos a repetir os mesmos erros? Em parte, porque é mais barato construir sem pensar nestas soluções. Em parte, porque ainda não sentimos no bolso as consequências de um edifício mal projetado. Mas com mais casos judiciais como o de São Francisco, nos EUA, talvez o mercado comece a reagir. As seguradoras não gostam de riscos previsíveis e fáceis de evitar. E um prédio todo em vidro, sem sombra, em 2025, é tudo menos imprevisível.
O problema da descarbonização centrada apenas na eletrificação — substituir gás por eletricidade e aquecer ou arrefecer à força — é que ignora a envolvente dos edifícios. Sem sombreamento, sem isolamento e sem ventilação bem pensada, estaremos apenas a trocar uma dependência energética por outra. E a fatura, cedo ou tarde, chegará.
Em vez de continuar a investir em ar condicionado para corrigir erros de conceção, por que não pensar logo de início num projeto equilibrado? Um edifício que respeite o clima, os ocupantes e a carteira? A sombra é gratuita, duradoura e silenciosa. E, ao contrário do ar condicionado, não se avaria quando se precisa mais dela.
Talvez este seja o empurrão necessário para os promotores imobiliários acordarem do sonho de vidro. Porque ninguém quer viver num micro-ondas — por mais elegante que ele pareça por fora.
Foto: Freepik
Colaboração de Buzouro
Publicado há 5 meses | Atualizado há 1 mês
Buzouro promove um estilo de vida equilibrado, sustentável e positivo através de práticas diárias que contribuem para o bem-estar individual e coletivo.
Ainda não existem comentários. Seja o primeiro a fazer um comentário.
Aviso de Cookies: Ao aceder a este site, são coletados dados referentes ao seu dispositivo, bem como cookies, para agilizar o funcionamento dos nossos sistemas e fornecer conteúdos personalizados. Para saber mais sobre os cookies, veja a nossa política de privacidade. Para aceitar, clique no botão "Aceitar e Fechar".
Comentários