O tédio infantil está a atingir novos máximos, e os pais sentem-se de mãos atadas. Será culpa dos ecrãs? Do estilo de vida moderno? Da falta de tempo? Neste artigo, exploram-se as causas reais e as soluções práticas para um problema mais comum do que se imagina.
"Estou aborrecido." Três palavras que conseguem esgotar a paciência de qualquer adulto antes do pequeno-almoço. Esta frase tornou-se a banda sonora de muitos lares portugueses e europeus, vinda de crianças com acesso a mais brinquedos, ecrãs e estímulos do que qualquer geração anterior. No entanto, parece que nada chega. O que está realmente a acontecer? Será apenas uma crise de primeira ordem mundial ou há algo mais profundo a fermentar nos bastidores do desenvolvimento infantil?
O tédio infantil está longe de ser um capricho. Os dados apontam para uma realidade preocupante: crianças e adolescentes estão a relatar níveis de aborrecimento cada vez mais elevados, e os pais, entre a pressão do trabalho, da vida doméstica e do próprio cansaço mental, sentem-se sem soluções.
1. O tédio moderno: mais comum, menos compreendido
Segundo um inquérito recente a dois mil pais com filhos entre os 3 e os 12 anos, as crianças demoram em média 33 minutos até se aborrecerem depois da escola. No caso dos adolescentes, os números também são altos e agravaram-se com os confinamentos da pandemia. O tédio, ao que parece, não faz distinções de idade.
Mas será mesmo tédio? Ou uma incapacidade de tolerar o vazio entre dois estímulos? Os especialistas sugerem que a resposta não é assim tão óbvia. A psicóloga Leslie Taylor sublinha que a capacidade de atenção é, naturalmente, limitada e varia com a idade. Uma criança de 4 anos, por exemplo, pode ter apenas 8 minutos de foco antes de desligar. O que muitos adultos interpretam como desinteresse ou falta de empenho é, muitas vezes, apenas o cérebro infantil a funcionar dentro da sua normalidade.
2. A culpa é dos ecrãs?
A tentação é grande: culpar os tablets, a televisão e os smartphones. E, em parte, com razão. A dependência crescente dos ecrãs cria uma expectativa de estímulo constante. Jillian Amodio, assistente social, lembra que as crianças de hoje não vivem no mesmo mundo que as gerações anteriores. Não é que tenham deixado de saber brincar — simplesmente, vivem numa realidade onde o espaço para a brincadeira espontânea é cada vez mais curto.
Além disso, a pressão sobre os pais não pode ser ignorada. Entre horários apertados, falta de apoio e múltiplas exigências, muitos recorrem aos ecrãs como solução prática para ganhar tempo. E, convenhamos, por vezes é mesmo a única opção viável. No entanto, o uso recorrente transforma o ecrã numa bengala que, em vez de entreter, habitua mal — gera intolerância à espera e reduz a criatividade espontânea.
3. Estratégias práticas para combater o tédio
O tédio não é um inimigo a eliminar, mas sim uma oportunidade para educar. Eis algumas sugestões dos especialistas para lidar com o tédio sem recorrer imediatamente ao botão de “play”:
Criação de espaços criativos Ter em casa uma zona com papel, lápis, barro ou blocos de construção pode fazer milagres. As atividades práticas prolongam a atenção e estimulam a criatividade.
Rotinas claras Horários previsíveis reduzem a ansiedade e ajudam as crianças a transitarem melhor entre tarefas.
Brincadeira independente Permitir que a criança explore, invente e jogue sem supervisão constante favorece a autonomia e a resolução de problemas.
Para os adolescentes, a abordagem muda ligeiramente:
Validar o tédio Reconhecer que estar aborrecido é normal. Às vezes, só precisam de saber que não estão sozinhos nesse sentimento.
Reduzir ecrãs com diálogo, não imposição Estabelecer regras em conjunto ajuda a criar sentido de responsabilidade.
Dar autonomia real Permitir escolhas simples, como planear uma refeição, pode fazer com que se sintam mais envolvidos e menos contrariados.
Conclusão
O tédio é uma emoção com má fama, mas injustamente. Na dose certa, pode ser um terreno fértil para a imaginação e para o autoconhecimento. O problema não está tanto na existência do tédio, mas na forma como se responde a ele.
Vivemos tempos exigentes, e nem sempre é possível desligar o ecrã ou estar presente com atenção plena. A chave está em encontrar equilíbrio: usar as ferramentas digitais com inteligência, mas também criar espaço para a pausa, o aborrecimento e o vazio criativo. Tal como os adultos precisam de tempo para respirar, as crianças também precisam de tempo para se aborrecer. O que importa é que saibam o que fazer com esse tempo.
Afinal, é no tédio que nascem muitas vezes as melhores ideias, os maiores disparates e, quem sabe, os inventores do futuro.
Foto: Freepik
Colaboração de Buzouro
Publicado há 2 meses | Atualizado há 1 mês
Buzouro promove um estilo de vida equilibrado, sustentável e positivo através de práticas diárias que contribuem para o bem-estar individual e coletivo.
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